terça-feira, 1 julho, 2025
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História do Paraná: O homem que peitou São Paulo

Por Diego Antonelli* – Texto publicado no livro “Paraná – Uma História”, Arte & Letra, 2016 – Uma multidão tomou conta da praça pública de Paranaguá. O clima de pompa pairava no ar. As autoridades estavam diante do juiz de fora Antonio Azevedo de Melo e Carvalho. Era dia 15 de julho de 1821. Todos deram juras de lealdade às bases da Constituição do Reino Unido de Portugal e Brasil, elaborada pelas Cortes de Lisboa. Inesperadamente, um homem quebra todos os protocolos e dá um passo à frente, em direção ao magistrado.

O capitão Floriano Bento Viana, sem titubear, ordenou em alto e bom som para que a comarca de Curitiba e Paranaguá fosse emancipada da capitania de São Paulo. “Queremos que nomeie um governo provisório e que nos governe em separado”, disse o
então comandante da guarda do Regimento de Milícias.

Durante o brado, conhecido pelos livros de história como Conjura Separatista, Bento Viana determinou ainda que a situação fosse comunicada imediatamente a Dom João VI. O juiz ouviu o discurso do capitão até o interromper: “Ainda não é tempo”.

Viana retrucou e esperou que outros que lutavam pela emancipação se pronunciassem. Mas ninguém ousou tomar a palavra.

Não se sabe se por covardia, medo, inércia ou timidez. O que Viana viu foi todos os seus colegas amedrontados diante da rápida e pronta resposta do magistrado. O capitão foi abandonado na luta pela emancipação do estado. Havia sido enganado por seus próprios companheiros. Solitário em sua proclamação, ele só escapou de severas punições porque a Coroa Portuguesa reconhecia seu valor e sua lealdade.

O que mais intrigou Viana foi ter sido desamparado em um momento tão importante. Para agravar a situação, seu pronunciamento já havia sido combinado com demais líderes emancipacionistas, que inclusive o haviam procurado alguns dias antes. Essas lideranças julgavam imprescindível o apoio e a liderança do capitão. Idealistas de Paranaguá queriam aproveitar o evento e cobrar a emancipação da região.

Livro “Paraná – Uma História”, Arte & Letra, 2016

Após diversas reuniões secretas, o sargento Francisco Gonçalves da Rocha e o capitão Inácio Lustosa de Andrade planejaram o feito. Mas precisavam de um homem de coragem para peitar as autoridades e lançar o brado de liberdade. A pessoa que se enquadrava nesse perfil era justamente Bento Viana. O grupo, segundo o historiador Osvaldo Pilotto, já havia até selecionado alguns nomes para compor o governo provisório.

Dentre os motivos que fizeram com que Viana desafiasse a autoridade judicial estava o abandono político, econômico e social em que se encontrava a região, além da falta de justiça. A distância de São Paulo impunha dificuldades físicas para entrar com recursos judiciais perante as autoridades paulistas e até causava escassez de moedas na comarca. Os apelos de Viana foram sumariamente ignorados e a Conjura Separatista terminou com a pronta negativa das autoridades.

O movimento acabou sem nem mesmo começar. Após o episódio em Paranaguá, outras localidades (Morretes, Antonina, Castro e Lapa) também entraram na luta para endossar a vontade do capitão Viana. Todavia, também não passaram de anseios reprimidos.

Antecedentes

Antes da luta de Viana, o território que hoje forma o Paraná já havia experimentado a sensação de ser emancipado. Em 1660, chegou a ser criada a capitania de Paranaguá, mas que teve vida curta. A partir de 1710, ela foi incorporada pela capitania de São Vicente e Santo Amaro, formando mais tarde a capitania de São Paulo. A capitania de São Paulo foi dividida em duas comarcas – a do sul era sediada em Paranaguá, e em 1812, a sede passou a ser em Curitiba.

Um ano antes, em 1811, nasceu a primeira ideia de separação do Paraná na Câmara de Paranaguá, que representou a Dom João o pedido de independência. Distante 110 léguas de São Paulo, Paranaguá estava abandonada pelo governo. A ideia, porém, foi sepultada pelo governo imperial.

Instalação da Província do Paraná, em 1853, de Theodoro de Bona. A obra está exposta no Salão Nobre do Palácio Iguaçu. Foto – Arnaldo Alves/ANPr

Emancipação só veio três décadas depois

Somente 32 anos depois do brado de Bento Viana em Paranaguá é que o sonho de emancipação se concretizou. Para isso foram necessários muita persistência e jogo de cintura político. Lideranças como o tropeiro Francisco de Paula e Silva Gomes e Manuel
Francisco Correia Júnior, que tinham um bom relacionamento na Corte, articularam diversas campanhas emancipacionistas.

Paula Gomes imprimia folhetos de propaganda em prol da separação do Paraná e os distribuía em suas andanças como tropeiro. Correia Júnior, que era coronel da Guarda Nacional, também sempre lutou para conseguir adeptos para a causa da emancipação.

Todas as solicitações enviadas ao governo imperial eram negadas. A situação mudou a partir de 1835, quando começou a Revolução Farroupilha no Rio Grande do Sul, que lutou contra o regime imperial. A situação política no Rio de Janeiro e em Minas Gerais era parecida. As sedes do Partido Liberal dos dois estados se articularam contra o governo da época devido à promulgação de leis que julgavam conservadoras.

A situação ficaria mais crítica se os liberais mineiros e fluminenses se unissem aos revoltosos gaúchos. Dessa forma, eles formariam uma frente única revolucionária que poderia abalar os pilares imperais. O governador de São Paulo, Barão de Monte Alegre, preocupado com a situação, propôs um acordo: caso as forças militares da comarca de Paranaguá e Curitiba se aliassem às forças do Império, ele iria lutar pela emancipação do Paraná.

A proposta foi aceita e a promessa, cumprida. Em 1842, Monte Alegre solicitou ao governo imperial a separação da região paranaense. O deputado paulista Carneiro de Campos apresentou o projeto de emancipação da nova província. As discussões acerca do tema duraram 10 anos no Legislativo Imperial. Deputados paulistas temiam a separação e se esforçavam para derrubar o projeto e adiar a votação. Somente em 1850, já no Senado, o assunto voltou a ser debatido. Naquele ano fora aprovado o projeto para criar a província do Amazonas enquanto a discussão acerca da emancipação do Paraná prosseguia, com entraves apresentados por deputados paulistas.

Apenas em agosto de 1853 o projeto que criava a província do Paraná foi aprovado e sancionado pelo imperador Dom Pedro II. Com toda a discussão resolvida nos altos escalões imperiais – sem nenhuma participação popular – a província paranaense foi instalada no dia 19 de dezembro daquele ano e seu primeiro presidente foi o baiano Zacarias de Góes e Vasconcelos.

*Diego Antonelli é jornalista e escritor, reconhecido por seu vasto trabalho no jornalismo histórico e etnográfico no Paraná. Formado pela UEPG com mestrado pela UFPR, Diego é especialista em contar a história do Paraná, suas culturas e povos imigrantes. Autor de 16 livros.

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