sábado, 19 abril, 2025
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Papel das Agências de Fomento no Brasil precisa ser revisto

Meyer Advogados* – A recente adesão da Agência de Fomento do Estado do Paraná a um plano de recuperação extrajudicial apresentado por um grupo empresarial tem levantado questionamentos relevantes sobre os limites legais e institucionais da atuação dessas entidades. Em tese, trata-se da renúncia de aproximadamente 90% de um crédito que ultrapassa R$ 1,5 bilhão — valor que, em sua maior parte, caberia ao Estado do Paraná.

Embora o plano ainda dependa de homologação judicial, a movimentação sinaliza, para alguns especialistas, a necessidade de debater mais amplamente os parâmetros que regulam a conduta de agências de fomento em situações envolvendo a gestão de créditos que, total ou parcialmente, são indiretamente devidos à Administração Pública. A controvérsia gira em torno de entendimento consolidado em decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ), de que créditos públicos — mesmo sob gestão direta por terceiro — não deveriam ser submetidos a planos de recuperação judicial ou extrajudicial, por se tratarem de bens indisponíveis. A adesão da Agência ao plano, portanto, poderia estar em desacordo com esse entendimento, o que tem motivado reflexões no meio jurídico e institucional.

O caso em questão tem origem em financiamentos concedidos nos anos 1980 por instituições extintas do sistema financeiro estadual, cujos créditos foram, ao longo dos anos, transferidos à gestão da atual Agência de Fomento. Apesar de a Agência exercer apenas o papel de gestora desses ativos, documentos anexados ao processo de recuperação indicam que ela assumiu postura ativa na negociação na adesão ao plano, inclusive solicitando a suspensão de ações judiciais em nome do Estado.

Para o advogado Reinaldo Corrêa da Silva Meyer, que acompanha o caso, há sinais de que essa atuação pode ter extrapolado os limites previstos na legislação estadual. “A Agência foi criada com atribuições específicas, centradas na gestão e administração técnica dos créditos. Situações em que há renúncia de valores relevantes, especialmente sem parâmetros públicos objetivos, demandam uma análise criteriosa quanto à legalidade e ao interesse público envolvido”, pondera.

O plano apresentado pelo grupo devedor prevê um deságio de 90% e um prazo de mais de sete anos para o pagamento do valor restante, sem a indicação de garantias reais consolidadas ou mecanismos de correção monetária do montante. Ainda que essas condições possam, sob determinado ponto de vista, ser justificadas pela figura da recuperação empresarial, o especialista aponta que sua aceitação por uma entidade estatal poderia configurar um desequilíbrio entre o interesse público e privado.

A Lei Estadual nº 11.741, de 1997, que regula a atuação da Agência de Fomento do Paraná, veda expressamente a renúncia de valores fora dos parâmetros legais e exige que negociações sigam critérios técnicos, com limites previamente definidos pelo Estado. Diante desse contexto, o caso da Fomento Paraná tem sido citado como exemplo da complexidade crescente que envolve a atuação das agências de fomento em um cenário econômico desafiador, em que a linha entre a função técnica e a deliberação política pode se tornar tênue.

Mais do que um caso isolado, a situação pode representar um alerta para a revisão institucional da governança dessas entidades, especialmente no que diz respeito à transparência, controle social e preservação do interesse público. “É preciso garantir que mecanismos criados para fomentar o desenvolvimento não sejam utilizados, mesmo que de forma involuntária, em detrimento do patrimônio público ou da legalidade”, ressalta Meyer.

O debate também remete à utilização do instituto da recuperação judicial e extrajudicial, cuja função primordial é possibilitar a reestruturação de empresas viáveis. No entanto, há quem aponte que, nos últimos anos, esse instrumento tem sido invocado por grupos em situações frágeis e com justificativas pouco objetivas, o que exigiria uma reinterpretação jurídica e legislativa mais rigorosa.

Diante disso, o especialista defende que o modelo de atuação das agências de fomento estaduais seja revisto com maior profundidade, de modo a evitar eventuais distorções e assegurar que seus atos permaneçam alinhados aos princípios da legalidade, moralidade e eficiência administrativa.

*Com mais de trinta anos de atuação, a Meyer Advogados é especializada em assessoria jurídica e financeira para empresas. Seu trabalho abrange áreas como incentivos fiscais, acompanhamento e readequação de projetos, além da renegociação de dívidas.

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