Por André Nunes – O dia 31 de outubro de 2024 entrou para a história de Curitiba e a memória de todos que cultivam o urbanismo, arquitetura, humanismo e o melhor da sétima arte. Em uma passagem relâmpago pela cidade que inspirou seu novo longa Megalópolis (onde esteve pela primeira vez em 2003, em andanças que até hoje rendem saborosas anedotas), Francis Ford Coppola agitou a quinta-feira da intelligentsia curitibana.
Quem quiser saber dos detalhes do passo a passo do cinesta de 85 anos, recomendo a ótima matéria de Luciana Melo, do Plural. A masterclass ministrada no Teatro Guaíra para 1.200 pessoas (em inscrições que esgotaram em meia hora) também foi brilhantemente relatada por Sandro Moser, no portal Fringe.
Eu estava com nome na lista, mas infelizmente não consegui comparecer à palestra. Agradeço ao convite feito pelo jornalista e crítico Marden Machado, que fez parte da entourage de Coppola e foi um dos responsáveis por intermediar sua vinda à Curitiba. O curador do Cine Passeio também o acompanhou na cerimônia de entrega da Ordem do Pinheiro, no Palácio Iguaçu, e o recepcionou ao lado do cineasta Marcos Jorge na sessão especial de Megalópolis, à noite, no cinema de rua administrado pela prefeitura. Jorge, vale lembrar, é o diretor do aclamado Estômago, que teve o segundo filme lançado este ano, e divide a curadoria do Cine Passeio com Marden.
Falando na breve (e caótica) cerimônia de entrega da maior honraria paranaense pelo governo do Estado, esse convite não pude recusar. Lá estava ao lado de algumas dezenas de colegas jornalistas credenciados para acompanhar a ocasião. A expectativa era alta. Não sabíamos o tempo de coletiva que haveria, e a assessoria nos orientou que apenas dois jornalistas poderiam perguntar.
A pompa da ocasião não deixou o homenageado confortável. Mesmo quem não conhece sua aversão por prêmios e “rapapés” percebeu a feição contrariada de Coppola, que sorriu poucas vezes para fotos e agradeceu brevemente a honraria. Nas perguntas da imprensa, que couberam a uma emissora de TV e uma revista de arquitetura, o diretor se limitou a explicar sobre a inspiração de Curitiba e Jaime Lerner, e suas motivações pessoais em lançar Megalópolis com recursos próprios, à revelia dos grandes estúdios. Para quem vem acompanhando a campanha de entrevistas e divulgação do longa, não houve novidades.
Rolou até um “puxão de orelha” na imprensa, devido a um desentendimento da segunda jornalista durante sua pergunta, que classificou o filme como “distopia”, algo que Coppola nunca falou. “Vocês deveriam apurar melhor, e não sair replicando o que ouvem dizer. O filme é uma fábula, não uma distopia”, alfinetou.
Felizmente para o realizador de O Poderoso Chefão, seu próximo compromisso foi bastante ameno e agradável, rodeado de amigos do urbanista que tornou a capital paranaense reconhecida pelo mundo: uma visita ao Instituto Jaime Lerner.
As fotos publicadas pela filha de Jaime, Ilana Lerner, escancaram a diferença nas feições de Coppola na comparação com a passagem pelo Palácio Iguaçu. Bastante adequado para um artista octogenário que, ao invés de disfrutar a aposentadoria, prefere debater o futuro da humanidade, que formato de cidade queremos para a “grande família humana” que somos, em sua visão fortemente católica.
“Alegria! Essa foi a palavra que Coppola escolheu ao tirarmos esta foto. Alegria representa o que foi a última quinta-feira para nós! Tivemos a honra de receber novamente na nossa casa o renomado diretor de cinema Francis Ford Coppola. O cineasta veio ao Brasil e revisitou Curitiba, cidade que inspirou seu novo filme: Megalópolis. Segundo Coppola, o próprio Lerner, com quem tinha uma grande amizade, foi inspiração para a construção da história do filme e de um dos personagens principais. Seja sempre bem-vindo, Mr. Coppola!”, descreveu Ilana em suas redes sociais.
E completou: “Não tenho palavras pra agradecer a forma tão carinhosa e especial com que o Coppola falou do meu pai. A emoção de saber que ele entendeu o pensamento e a essência dele é algo que vou guardar no coração para sempre”.
“Só existe um crítico verdadeiro para todo tipo de arte: o tempo”, vem afirmando o cineasta, quando indagado sobre a recepção de público e crítica sobre sua nova produção. Bastante apropriado, se levarmos em conta tanto seu histórico na sétima arte (Apocalypse Now só se tornou aclamado anos depois do lançamento), quanto o legado da própria arte. Afinal, quantos artistas que hoje valem milhões de dólares foram reverenciados em vida?
“Tudo nesse filme aconteceu de verdade em Roma ou Nova York, ou outros locais que eu vi. Então na verdade não é uma ficção, é uma síntese da História”. Coppola, sobre Megalópolis
Voltando a este jornalista, só me resta a gratidão por poder estar no mesmo ambiente que um mestre do cinema, que influenciou gerações e legou ao mundo a saga da Família Corleone. Grazie mille.